A Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado Federal rejeitou por unanimidade, nesta quarta-feira, 24 de setembro, a chamada PEC da Blindagem, proposta que pretendia exigir autorização prévia do Congresso para abertura de processos criminais contra parlamentares, o que na prática dificultaria o avanço de investigações e ações penais.
A votação foi simbólica: 27 senadores votaram contra a proposta e nenhum a favor. A matéria agora segue para a Secretaria-Geral da Mesa, que poderá arquivá-la definitivamente — o que já é a expectativa dentro do próprio colegiado.
Relator afirma que PEC é ‘inconstitucional e antirrepublicana’
Responsável pelo parecer, o senador Alessandro Vieira (MDB-SE) foi categórico ao afirmar que a proposta tem vícios de origem e fere a Constituição. Para ele, o texto representava uma tentativa de criar um “abrigo seguro para criminosos”.
“A PEC que formalmente aponta ser um instrumento de defesa do Parlamento é, na verdade, um golpe fatal na sua legitimidade, posto que configura portas abertas para a transformação do Legislativo em abrigo seguro para criminosos de todos os tipos”, declarou Vieira durante a sessão.
O presidente da CCJ, senador Otto Alencar (PSD-BA), também votou contra e contribuiu para o sepultamento da proposta, que já enfrentava forte resistência popular e de setores do Judiciário.
Texto havia avançado na Câmara com apoio maciço
Na semana anterior, a Câmara dos Deputados aprovou a PEC em dois turnos, com mais de 300 votos favoráveis. A proposta tinha o apoio do presidente da Casa, Hugo Motta (Republicanos-PB), que trabalhou para restabelecer o mecanismo da licença prévia — exigência que vigorou até 2001, quando foi retirada após pressão da sociedade civil.
Na prática, a proposta permitiria que o Congresso barrasse ações penais e até mandados de prisão contra parlamentares, por meio de votações secretas, como acontecia até duas décadas atrás. Segundo levantamento do jornal O Estado de S. Paulo, entre 1988 e 2001, o Congresso rejeitou ou ignorou mais de 220 pedidos do STF para processar deputados e senadores.
“Aquele estado de coisas absolutamente inconstitucional exigiu a promulgação da emenda que retirou a licença prévia. Antes dela, funcionava como ardil para perpetuar a impunidade”, relembrou Vieira.
Protestos nas ruas e pressão da sociedade civil
A aprovação da PEC pela Câmara gerou forte reação da sociedade. No último domingo, 21, 42,4 mil pessoas foram às ruas da Avenida Paulista, segundo dados do Monitor do Debate Público da USP, para protestar contra a proposta. O número superou inclusive o ato bolsonarista pró-anistia, que reuniu 42,2 mil pessoas.
A mobilização popular ajudou a criar um clima de pressão sobre os senadores, que passaram a defender o arquivamento imediato da matéria.
Tentativas de emenda foram rejeitadas
Parlamentares da oposição tentaram reformular o texto da PEC, propondo que a exigência de licença prévia se aplicasse apenas a crimes contra a honra. A ideia, porém, foi rejeitada pelo relator e também foi considerada ineficaz pelos demais senadores, que avaliaram que o debate já estava “contaminado”.
“Não tem remédio para essa PEC. Não adianta uma emenda, um penduricalho. O que precisamos é sepultar de vez a proposta e tentar retomar o mínimo de confiança no Congresso”, afirmou a senadora Eliziane Gama (PSD-MA).
O senador Sérgio Moro (União-PR), que chegou a sugerir alterações, também recuou:
“Ficou claro que o debate já está contaminado. Não há condições de discutir com serenidade esse tema nesse projeto”.
Governo e oposição unidos contra a proposta
A rejeição da proposta uniu senadores de diferentes espectros políticos. O líder do governo no Congresso, senador Randolfe Rodrigues (PT-AP), elogiou o parecer do relator:
“Ao apontar a inconstitucionalidade da matéria, o relator impede qualquer artifício que permita levar essa proposta ao plenário do Senado”, afirmou.
Com a rejeição formal pela CCJ e o parecer indicando inconstitucionalidade, a PEC da Blindagem deve ser enterrada definitivamente, marcando uma vitória da sociedade civil contra tentativas de ampliar a imunidade parlamentar e dificultar o combate à corrupção no Legislativo.